segunda-feira, 16 de novembro de 2009

NA SOLIDÃO DOS CAMPOS DE ALGODÃO

É o desejo que segura as relações.
Não consigo mais duvidar disso.
Falo de qualquer tipo de relação. De qualquer tipo de desejo.

Fui assistir Na solidão dos campos de algodão com o Gustavo Vaz e o Armando Babaioff aqui no Rio.
Não sei se eu to sensível demais, questionadora demais, aberta demais, mas achei foda o trabalho dos meninos.
Tem algo muito profundo e verdadeiro ali.
Não sei se é desejo deles que transborda em estar realizando o projeto, se é o meu desejo de gostar do que vê, se é o meu desejo em fazer uma peça com um texto bom... não sei.. não sei... sou o Cliente, não o Dealer.

Não paro de pensar em desejo.

A peça trata disso.

O que você deseja?
Responde aí você que tá lendo aqui: Qual é o teu desejo?
Consegue dar nome ou forma pra ele?

Muito bem, eu não consigo.
Quer dizer, claro que tem coisas que eu desejo, sonho e tal, mas tem sempre um desejo que não se realiza porque não sei o que é.

“Eu não estou aqui para dar prazer, mas para preencher o abismo do desejo, recordar o desejo, obrigar o desejo a ter um nome, arrastá-lo até o chão, dar-lhe uma forma e um peso, com a crueldade obrigatória que existe em dar uma forma e um peso ao desejo.”

Eu quero falar um pouco de atuação.
Porra, atuar é complexo pra caralho.
Claro que tem dias que eu sou a maior truquenta em cena. E claro que eu vejo muito ator dando truque por aí.
Mas quando a gente se dispõe a fazer de verdade, é muito complexo... mistura tudo... vc com o que diz em cena, vc com o que pensa da vida, com o que pensa do cara que tá em cena contigo, ator com personagem, relação de ator/ator com a relação das personagens, o seu humor no dia, vc com o público, com o diretor, com o momento presente, com a sua verdade, com a emoção... caralho... é tanta coisa.. e apesar disso é simples tb. É mágico e sobretudo LIBERTADOR. É a experiência mais libertadora na minha pacata vidinha. Melhor que sexo, que eu já fingi gostar mais que fingi atuar e melhor que cachaça, que a ressaca não dá vômito e vc tem a chance de fazer melhor no outro dia.
A coisa de dar truque acontece mesmo. Tem dias que eu to cansada, sem dormir, ou sem poder mexer nas coisas de dentro. Daí dou um truque mesmo. Horrível mas é assim.

Os meninos mandam muito bem na peça.


"[...] que eu não te digo o que possuo e te ofereço, pois não quero ter de suportar uma recusa [...]. E que venham me dizer: digamos que alguém tenha um desejo, que o confesse, e que você não tenha nada para satisfazê-lo?"

Voltando ao desejo...
O que é que vc deseja?
Cuidado com o que deseja.
Você pode conseguir o que deseja.

Cara, que texto esse do Koltès. Puta que pariu.

Eu to citando várias frases por aqui.
Porque é tão bom, tão bom que é inevitável.

Não é uma peça fácil de montar.
É preciso estar atento ao texto pra ouvir pérolas do tipo "a amizade é mais pão-dura que a traição"


"Se você fugisse eu te seguiria; se você caísse com os meus golpes, eu ficaria perto de você para o seu despertar; e se você decidisse não acordar, eu ficaria ao seu lado, no seu sono, no seu inconsciente, além.”

Na verdade o Cliente não diz o que deseja e o Dealer não diz o que tem para oferecer. O Dealer tem certeza que o Cliente quer alguma coisa mas não oferece o que tem por que não suportaria a recusa da oferta. Ele é o que diz "Sim, eu tenho. Sim, eu terei. Sim, não tenho aqui mas consigo pra vc."

“Se você anda na rua, a esta hora e neste lugar, é que você deseja alguma coisa que você não tem.”

Sim, eu ando na rua procurando satisfazer meus desejos que nem sempre sei o que são.

“Acontece que, da mesma forma que eu sei – sem explicar mas com uma certeza absoluta – que a terra sobre a qual nós estamos colocados você e eu e os outros está ela mesma colocada em equilíbrio sobre o chifre de um touro e mantida nesta posição pela mão da providência, da mesma forma eu me esforço, sem realmente saber por que mas sem hesitação, em ficar no limite do que é conveniente, evitando o inconveniente como uma criança deve evitar se pendurar na beira do telhado antes mesmo de compreender a lei da queda dos corpos.”

“Assim você afirma que o mundo sobre o qual nós estamos, você e eu, é mantido na ponta do chifre de um touro pela mão de uma providência; acontece que eu sei, eu, que ele flutua, colocado sobre as costas de três baleias; que não há providência nem equilíbrio, mas o capricho de três monstros idiotas. Nossos mundos não são então os mesmos, e nossa estranheza está misturada às nossas naturezas como a uva no vinho.”


Então é assim.
As relações são puro desejo.
De sexo, de poder, de satisfação.
Quase sempre de poder.
Quase sempre de poder.
Até no amor.

E o que a gente deseja da vida?
Na filosofia da Yoga o desejo é o grande gerador do sofrimento.
Já acreditei nisso. A ponto de simplesmente não desejar nada. Ficar deixando rolar... sem desejo, sem frustração...
Mas e aí?
Sem desejo tem algo que pulse?
O desejo de uma boa foda.
De uma dose.
De dar um berro bem alto.
De tomar banho de mar.
De fazer os outros te entenderem.

Sem isso o que que sobra?
E se alguém aparecesse na minha frente garantindo que pode dar forma ao meu desejo?
E se eu desejar algo julgando que é o melhor pra mim e não for?

3 comentários:

  1. E se você desejar algo julgando que é o melhor pra você e não for?

    Talvez o desejo seja um grande gerador de sofrimento por causa da expectativa que se cria em cima de um desejo.

    Por que nossos desejos tem de ser tão grandiosos e perfeitos? Por que não podem ser apenas "um simples desejo"?

    Então...

    ...E se alguém aparecesse na sua frente garantindo que pode realizar um desejo seu?

    Abraço,
    Alguém.

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  2. "Se fosse um sentimento do qual eu precisasse, eu teria dito a você, eu teria te perguntado o preço e eu o teria quitado... mas sentimentos se trocam apenas contra seus semelhantes..."

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  3. aninha, vc é uma querida! adorei vc ter ido na peça! bjos pablito

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