domingo, 23 de janeiro de 2011

Parir



Rio de Janeiro, 10/1/11.
22 hs: contrações a cada 10 ou 12 minutos, dor nas costas, necessidade de balançar o quadril, barriga alta, eu penso “não vai nascer hoje, a barriga tá alta, é só o corpo se preparando”

23 hs: contrações persistem, eu penso “disseram que quando começa não pára”, xixi involuntário, não sei se é a bolsa ou se mijei nas calças

00 hs: “melhor ligar pro médico”

01 hs: contrações a cada 8 ou 10 ou 12 minutos, eu penso “disseram que o intervalo de tempo é bem preciso”, táxi, hospital, ultra-sonografia, exame de toque, “volta pra casa querida, você está apenas com 1 cm de dilatação”

Madrugada: contrações cada vez mais fortes, “ai, ai, ai, puta que pariu, melhor não lutar contra dor”, adormecer e acordar gemendo a cada 8 ou 10 ou 12 minutos pra cronometrar

Rio de Janeiro, 11/1/11.
9 hs: não dormi a noite toda, to exausta, contrações a cada 8 ou 7 minutos, barriga alta, balançar o quadril, xixi, sujeira na calcinha, eu penso “barriga alta, 1 de dilatação, não vai nascer hoje, vou aguentar”

12 hs: visita da mãe, “que saco, mas tudo bem”, contrações de 7 ou 6 minutos, almoço gostoso, balançar o quadril, cronometrar o intervalo e o tempo de duração das contrações, dói pra caralho, agüentar, respirar, gemer, fazer xixi, beber água

15 hs: contrações muito fortes, intervalos regulares, celular do médico desligado

16 hs: médico atende o celular, correr para o hospital, pegar a bolsa da maternidade, gemer, eu penso “vou até lá e vou voltar pra casa, a barriga tá alta, não vai nascer hoje”, hospital, exames, 45 minutos de exames, contrações precisas a cada 4 minutos, o médico pediu pra ligar pra ele, chorar, “vão querer que eu faça uma cesareana”, médico diz pelo telefone “eu sei que você queria muito um parto normal mas vamos fazer uma cesareana, o bebê pode entrar em sofrimento, você está em trabalho de parto há horas e não tem dilatação”

18 hs: a recepcionista da maternidade avisa que o hospital está lotado e que vai ligar para o médico, esperar, chorar, doer, chorar, se acalmar, fazer um telefonema que conforta, saber que vai permanecer na maternidade em uma sala improvisada de pré-parto, recusar a cadeira de rodas, despedir da mãe preocupada, colocar a roupinha de hospital, esperar a equipe médica, contrações a cada minuto

Sem noção de tempo: entrar na sala do centro cirúrgico chorando, assustada, tremendo de medo, médicos falam no celular, conversam sobre o próximo feriado, “vira de lado, encolhe a cabeça e os joelhos pra tomar a anestesia”, tremer as pernas de medo até que tudo pareça morto do peito pra baixo

20:05 hs: nasceu uma filha e uma mãe

Sem noção de tempo: filha no berçário com a pediatra, eu na sala improvisada sem banheiro e sem camapainha de emergência, sozinha, vontade do tossir, eu penso “não vou tossir pra não doer a barriga”, vontade aumenta, olhos pesados, vontade de tossir, olhos mais pesados, “meu deus não consigo mais abrir os olhos”, a voz já não sai da garganta, escuto as enfermeiras na sala ao lado assistindo Passione e rindo, tentar gritar, não conseguir, sentir todo o rosto inchado, garganta se fechando, “caralho, fudeu, to tendo um choque anafilático”, tentar gritar socorro, alguém entra na sala a tempo de transformá-la numa UTI...... acho que me deram uma injeção........ muitas pessoas ao meu redor....... voltar aos poucos a respirar........ ufa......... bebê volta do berçário.............
Não lembro mais de muita coisa........ um branco................................................................

Não pari mas nasci de novo

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

- Cansei do espelho.
Não do espelho real onde os outros me refletem, esse me ensina alguma coisa sempre que estou atenta e não adiantaria nada ficar cansada de me ver nos outros porque só atrasaria o meu plano de evolução.
- Há há há.
- É verdade, eu pretendo evoluir até deixar de ser preguiçosa, orgulhosa e invejosa.
- Legal, boa sorte! Você deveria incluir rancorosa na sua lista evolutiva.

(Silêncio)

- Cansei do espelho que eu me vejo, o espelho do banheiro.
- Ah é?
- É.. é muita preocupação com a aparência... me olho, me olho, me olho e não me acho bonita.
- Você é bonita sim.
- Não.. já fui talvez. Aos 17 anos, ou 19, não lembro exatamente.
- Como assim?
- Não lembro exatamente quando me achei bonita. Mas já faz tempo que eu apenas suporto a minha aparência.
- Tenta se cuidar mais.... As drogas te envelhecem.
- Você também acha que eu envelheci?
- Não quis dizer isso.
- Mas disse.
- É eu disse. Mas sem querer. É que as drogas fazem a nossa aparência ficar pior.
- Você está fazendo o diálogo ficar pior.
- Desculpa.

(Silêncio)

- Ontem eu tentei transar com outro cara. Mas não deu certo.

Apesar

Amor por obrigação não vale. Não precisa se sentir obrigado a vir me ver. Se você estiver ocupado demais com as suas coisas aí e estiver sentindo o peso da obrigação de vir me ver, esquece. Não vem então.
Prefiro a honestidade dos sentimentos que a formalidade das ações corretas.
Eu aprendi a te aceitar assim. A te amar assim. A distância. E sinto o seu amor também, juro, mesmo a distância. Mas tá bom assim. Não há mais tempo para mudar relações estabelecidas. Ficamos assim. Como de costume. E eu me sinto feliz.